O desmatamento no Cerrado ultrapassou 118 mil hectares no mês de maio, um aumento de 35,2% em relação ao mesmo período em 2022, quando foram desmatados 87,7 mil hectares
Imagem: Fernando Lopes
Apesar da recente redução nos índices de desmatamento na Amazônia, o mesmo não tem acontecido em outros biomas. O Cerrado, por exemplo, bateu recordes de destruição nos primeiros meses de 2023. O contraste entre as taxas acendeu um importante alerta sobre as atividades de fiscalização e políticas públicas voltadas para a preservação da vegetação nativa em território brasileiro.
Em maio deste ano, o índice de desmatamento na Floresta Amazônica teve uma queda de 10% em comparação ao mesmo período de 2022, segundo dados divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). A mudança é resultado de esforços do atual governo voltados para o combate à derrubada da floresta, queimadas, garimpo ilegal e outras atividades criminosas na região da floresta.
Por outro lado, o Cerrado teve um aumento de 83% nos focos de destruição no mesmo período analisado. Foram mais de 87 mil hectares devastados somente no mês de maio, a maior área perdida no bioma nos últimos dois anos. No acumulado de 2023, o desmatamento chegou a 376 mil hectares, área que representa duas vezes e meia a cidade de São Paulo.
O desmatamento no Cerrado ultrapassou 118 mil hectares no mês de maio, um aumento de 35,2% em relação ao mesmo período em 2022, quando foram desmatados 87,7 mil hectares. Essa é a maior área de desmatamento registrada pelo sistema nos últimos 2 anos.
Especialistas consultados pelo Metrópoles avaliam que, além de retórica global focada na proteção da Floresta Amazônica, uma concentração de esforços federais na região durante o terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e leis mais permissivas na savana brasileira podem explicar o contraste nos dados de destruição dos biomas.
Savana brasileira
O fundador e diretor-executivo do Instituto Cerrados, Yuri Botelho Salmona, destaca que apesar de um avanço em políticas ambientais no novo governo, ainda há um longo caminho a ser percorrido. É fundamental estabelecer medidas de enfrentamento para os demais biomas, além de compreender que a biodiversidade brasileira precisa ser preservada em todas as frentes.
“A Amazônia é a floresta tropical mais biodiversa do mundo, produz uma umidade super importante, ela é importantíssima, isso não deve ser esquecido ou ignorado. Mas, o Brasil e o mundo não se deram conta que o Cerrado não está atrás. Não dá para dar passos priorizando apenas um”, ressalta Salmona.
O Cerrado é fundamental para o equilíbrio hidrológico do país, e ganhou a alcunha de “berço das águas”. Apesar do clima semiárido e períodos de deficiência hídrica, as águas das chuvas penetram no solo e abastecem aquíferos e nascentes. Em menos da metade do tamanho da Amazônia, o segundo maior bioma brasileiro é composto por quase o mesmo número de regiões ecológicas.
“Todo o cuidado que for dado à Amazônia tem que ser dado em mesmo peso para o Cerrado. A água que corre pelo rio Amazonas nasce em cabeceiras do Cerrado. Não é inteligente, não é adequado, você não dar a mesma atenção para o Cerrado do que você dá para a Amazônia”, reforça o diretor do Instituto Cerrados.
O bioma é considerado a savana mais biodiversa do mundo, tendo sido duramente impactado pela expansão da fronteira agrícola. A destruição acelerada desse bioma ameaça espécies endêmicas – naturais dessa região, além de comprometer os serviços ecossistêmicos essenciais, como a regulação do clima e o abastecimento de água de diversas regiões do país.
“No Cerrado, por exemplo, a gente tem nascentes de várias principais bacias do Brasil que são importantes tanto para a parte de irrigação da agricultura, mas também para abastecimento de água nas cidades. Então, das 12 principais a bacias hidrográficas do Brasil oito estão no Cerrado”, declara Julia Shimbo, coordenadora científica do MapBiomas e pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).
Segundo os especialistas, o aumento do desmatamento no Cerrado em comparação com a destruição da Amazônia pode ser explicado porque a região savânica possui leis de combate e controle mais flexíveis.
Neste ponto, Yuri Salmona destaca a distinção da área de reserva legal em cada bioma. No Cerrado, o Código Florestal determina que 35% do imóvel privado seja destinado para manutenção da fauna nativa, já na Amazônia esse percentual chega a 80%.
O professor da Universidade de Brasília (UnB) Jorge Madeira Nogueira destaca que além de analisar imagens de satélites, o governo federal precisa adotar medidas compensatórias para produtores rurais que mantiverem a área de reserva legal além do mínimo legal.
“Há uma completa falta de criatividade em termos de pensar o que fazer para controlar o desmatamento. É necessário o pagamento por serviços ambientais, quem mantiver a vegetação nativa, vai ter um mercado para poder receber uma compensação por esses serviços ambientais, crédito rural para você recuperar áreas degradadas, em particular áreas de pastagem”, destaca Jorge Nogueira.
O Cerrado é conhecido como "berço das águas"
Imagem: Carlos Maranhão / Getty Images
Plano de preservação
O Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) foi criado em 2004 e teve grande sucesso na redução na destruição da vegetação nativa da Amazônia brasileira. O projeto foi relançado em 2023 com a promessa de repetir os mesmos feitos da primeira gestão Lula e Marina Silva (Rede), no comando do Ministério do Meio Ambiente.
A ministra declarou que também irá desenvolver um plano de ação para os demais biomas brasileiros e um dos primeiros a ser beneficiado será o Cerrado. Contudo, ainda não há um texto final para tal projeto. De acordo com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o PPCerrado teve a sua primeira reunião em 14 de junho a expectativa é lançar o programa em setembro deste ano.
O Ministério do Meio Ambiente informou que a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) trabalhou para desmontar a política ambiental brasileira e que está tentando reestruturar a pasta e a expectativa é de que novos planos de ação e controle tanto do desmatamento como também das queimadas.
A expectativa da equipe técnica da ministra Marina Silva é lançar ainda este ano o Plano de Ação para o Manejo Integrado do Fogo no Bioma Pantanal. Entretanto, o Ministério do Meio Ambiente não informou que a alguma ação relacionada para conter o desmatamento na região.
O professor Jorge Nogueira ressalta que faltam iniciativas para impedir o avanço do desmatamento em todo o Brasil. “Continuamos fazendo mais do mesmo e o atual governo tem mostrado até agora criatividade zero para apresentar alternativas interessantes para que seres humanos não desmatem.”
Fiscalização
O Ibama informou ao Metrópoles que tem intensificado a fiscalização contra o desmatamento ilegal no Cerrado nos cinco primeiros meses deste ano. Além disso, tem intensificado medidas de controle, como multas e apreensão de equipamentos.
“A fiscalização no Cerrado de janeiro a maio resultou em alta de 16% dos autos de infração, de 37% dos embargos, de 29% das apreensões e de 38% da destruição de equipamentos usados em crimes ambientais na comparação com a média para o mesmo período nos últimos quatro anos”, afirmou o órgão por meio de nota.
Avanço do agro
Segundo o Ipam, a região mais afetada pelo desmatamento no Cerrado é o Matopiba, formado pelos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, área apontada também como responsável pelo avanço da fronteira agrícola do bioma.
Com a necessidade de abertura de novas áreas para plantio, o Matopiba recebe autorização dos órgãos estaduais ambientais para o chamado desmatamento legal, que favorece a manutenção de um cenário negativo.
“Mais da metade do desmatamento no Cerrado hoje acontece na região do Matopiba, região onde intensificou a expansão agrícola nas últimas duas décadas, pelas características climáticas de solo e também pela expansão dessa agricultura intensiva para plantio principalmente para soja, milho e algodão”, explica Julia Shimbo, coordenadora científica do MapBiomas e pesquisadora do Ipam.
Para Julia Shimbo, além do governo federal, as gestões estaduais e municipais devem intensificar o trabalho para combater o avanço do desmatamento nessas áreas.
Informações do Metrópoles.
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